quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

“Apesar de tudo, ela gira”

Há já algum tempo que venho aprofundando a ideia de que vivemos numa espécie de Chile doce, governados por um pequeno tiranete, ao leme de uma equipa de gente mal sucedida. Um país onde confluem os interesses do capital financeiro, com os do poder político que lhe faz o frete, contra a maioria do povo. Uma espécie de capitalismo monopolista de estado de novo tipo. Um país de impunidade para os corruptos, que se aliam em algumas irmandades partidárias e maçónicas e que vão saltitando entre as cadeiras do poder e os conselhos de administração de grandes grupos económicos. Um país onde os meios de comunicação social estão nas mãos de grupos económicos, que nos fazem crer, juntamente com os governantes e as forças políticas dominantes, que em Portugal existe pluralismo. Governantes que consideram os sindicatos (aqueles dignos desse nome), as comissões de trabalhadores, as associações de estudantes, as associações ecologistas, as associações de moradores, etc. como inimigos e representantes de ideias políticas paradas no tempo, autenticas forças do bloqueio. Parece que quem tem coluna vertebral, quem se rege por princípios, quem está verdadeiramente do lado dos mais desprotegidos, está “demodé”. A bufaria vai levantando a cabeça e passeando por aí, de conversa em conversa. Foi nisto que deu a maioria absoluta do PS, conseguida à pala de promessas de progresso. É justo perguntarmo-nos que raio de democracia é esta em que uma equipa ministerial trata abaixo de cão a classe docente, em que um tribunal condena jovens que pintam um mural, em que um professor é saneado por contar una inocente anedota acerca do primeiro ministro. Que democracia é esta que quer pôr todo o país a trabalhar a recibo verde, para que as forças da alta finança se possam apropriar cada vez mais de maiores lucros.
A crescente onda de desemprego, de emprego sem direitos e de baixos salários, ao mesmo tempo que o estado nacionaliza os prejuízos da banca, não são bons augúrios para o futuro. A crescente onda de desinteresse e alienação criadas para servir às jovens gerações e a falta de alternativas para o dia de amanhã, vão ter um preço muito elevado. Vivemos num tempo da mais completa desregulamentação social. Os pais não têm tempo para os filhos. Os filhos não se encontram com os pais. Os pais tentam encontrar segundos empregos para pagar as prestações. Os filhos não têm emprego. O saber está cada vez menos ao alcance de todos, o que significa um muito sério retrocesso civilizacional. O conhecimento é substituído pela certificação de competências. Na universidade o acesso ao conhecimento é cada vez mais caro, mercê da capitulação ao acordo de Bolonha. Assiste-se a uma vergonhosa desvalorização do trabalho. Em Portugal já não há empregados de limpeza. Há técnicos de higiene. Cresce a nossa mentalidade provinciana e “chico-esperta” nesta periferia da santa Europa.
É este o caldo civilizacional de onde podem emergir o populismo de direita e o pseudo-radicalismo anarquizante, quer um quer outro mascarados de vontade popular, mas com o objectivo de confundir, de denegrir e de justificar. De confundir aqueles que muito justamente perguntam afinal para onde vamos. De denegrir os que apontam um caminho alternativo, mas não conseguem ver a sua mensagem tratada em igualdade democrática com o pensamento da classe dominante. Tudo para justificar a implementação de medidas policiais limitadores das liberdades. Vivemos numa época particularmente perigosa e o governo deste PS de Sócrates é o principal culpado. Ainda por cima vendendo veneno com o rótulo de “socialista”.
Num outro tempo, Galileu Galilei foi condenado por pensar diferente e morreu com o pensamento de que “apesar de tudo, ela gira”. Cabe a nós, no nosso tempo, sermos os continuadores desta fundamental consciência de transformação. Pertence o futuro àqueles que agora se afirmarem contra esta corrente de gente antiquada que pretende outra vez uma sociedade onde os senhores voltem a ter o “direito de pernada”. É preciso transformar. Depois dos séculos de Inquisição, de 40 anos de ditadura fascista, de trinta anos de atropelos aos ideais de Abril e de três anos de governo PS, a tarefa não é fácil. Vai demorar tempo, mas a luta é o caminho. E em 2009 podemos começar por negar o voto a quem nos nega a esperança!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Um outro mundo é possível!

Um dia foi-me proporcionado viver uma experiência única.
Parti com uma bolsa de estudo para a Bulgária, onde vivi de 1976 até 1987.
Durante onze anos tive acesso a uma formação multifacetada, que ultrapassou largamente o mero aspecto académico e profissional, em igualdade de direitos e deveres quer com os cidadãos búlgaros, quer com os cidadãos de mais de cem países com quem tive o prazer de conviver.
Na “Cidade Universitária” de Sófia vivíamos mais de 20.000 jovens de todos os continentes. Na minha residência, onde viviam búlgaros, tunisinos, nicaraguenses, vietnamitas, polacos, nigerianos, coreanos, checos, angolanos, dominicanos, laosianos, cubanos, etc., partilhei o quarto com o palestiniano Samer Hidjaui. O tal que, quando expelia “um gaz” durante a noite, me sussurrava entre dentes: “Paulo, ainda hás-de sentir a falta da minha música!” e soltava um “ohhhhhhh” de alívio...
Ou o Joel Libombo, moçambicano, mais tarde ministro no seu país, que um dia me veio pedir o recentemente editado livro “O Partido com paredes de vidro” de Álvaro Cunhal.
E o inesquecível dia em que morreu Samora Machel e a direcção dos estudantes moçambicanos nos pediu que os ajudássemos a organizar as cerimonias fúnebres...
Estar ali, foi viver e crescer num grande caldeirão de culturas. Almoçar com os que se abstinham da carne de porco, jantar com os da “vaca sagrada”. Conhecer o recente guerrilheiro “nica” que dormia vestido e calçado, “não fosse algum contra aparecer”. E ouvir as histórias da magia negra antes de deitar. Ou ainda ouvir cantar o Corão num sábado à noite, enquanto bebíamos chá preto. Tudo como se estivéssemos ali a dar um grande abraço ao mundo e sentíssemos um certo conforto inexplicável.
De todos tenho um pedaço: na formação e no coração...
Enquanto presidente da Organização Nacional dos Estudantes Portuguesas, tive a oportunidade de participar, creio que em 1984 numa conferência de estudantes estrangeiros, na qual apresentei uma proposta que tive a felicidade de ver aprovada por unanimidade e até aclamação. Era simples a formulação, mas profundo o conteúdo: “Nós, representantes dos estudantes estrangeiros na Bulgária de mais de cem países, uns perante os outros e todos perante o povo búlgaro que nos acolhe, assumimos solenemente o compromisso de que jamais utilizaremos os conhecimentos e a formação aqui adquiridos contra a paz e contra os nossos povos.”
Nestes tempos em que os “polícias do mundo” tudo invadem e tudo justificam em nome de uma certa “civilização ocidental”, faz-me bem trazer à memória o que realmente para mim faz sentido. É verdade que outro mundo é possível. Eu senti-o e vivi-o!
E tendo nós memória e querendo dela fazer uso, estaremos quem sabe mais imunes a todas as “verdades” que nos vendem diariamente.
Tantos anos depois, não vou esquecer que nos conhecemos porque existiu um país – a Bulgária socialista, que nos abriu as portas e nos recebeu como se fossemos seus filhos, tornando-se para sempre a nossa segunda pátria.
Não sei se mais alguma vez me cruzarei com aqueles amigos de muito estudo e imensas aventuras. Mas, gostaria que soubessem que continuo fiel ao nosso compromisso!
Porque aprendemos juntos que outro mundo é possível!
(Editado no semanário "Expressões")
 
 
"A vida tem fim. Mas a luta é eterna!"
É por isso que a intranquilidade tem que começar dentro de cada um de nós.